Jogados ao Chão

segunda-feira, 17 de maio de 2010
(Lamara Disconzi)



Dona Marina bate com a vassoura na parede. Moleques idiotas. Sabe que eles nunca vão ouvir, mas bate mais uma vez mesmo assim. E outra. Balança a cabeça.
Antônio já está jogado num dos sofás entorpecido da amarelinha, da verdinha, da roxinha... Enfim, todas aquelas cores que enxergava agora. Ele ouve um tuc-tuc-tuc vindo da parede, mas a música está muito alta e ele está muito chapado. Ignora.
Matias entra na festa com cautela. É sua primeira vez aqui e sabe que o grupo é muito receptivo com o seu, com qualquer tipo de gente. Mas mesmo assim, ressabiado do jeito que é, adentra de mansinho aquela horda de prazeres lícitos e ilícitos tentando encontrar um canto onde possa se sentir mais à vontade. Vaga.
Dona Marina chama a policia uma, duas, três vezes. O homem bem humorado, “maldito seja” ela pensa, explica que são apenas alguns jovens querendo se divertir. Ela mesma nunca fora jovem? Antes que ela possa explicar que no seu tempo as coisas eram bem, bem diferentes, o policial desliga o telefone. Antes de hoje. Antes de ela ter 60 anos, era colégio militar, tarefas... no máximo um baile ou casamento arranjado. Mas Dona Marina não termina seu pensamento. A festa está cada vez mais alta.
Antônio continua sentado. Passam-lhe mais um baseado. Por que não? Ele não vai dirigir. Não manco daquele jeito. Traga com vontade e com cada tragada esquece um pouco mais de como sua carreira havia acabado por um tombo idiota, num cavalo idiota, por causa do lodo idiota na chuva idiota. Agora era um manco que trabalhava num mercadinho de cidade grande e não em uma fazenda grande em uma cidade pequena. Isso já há 10 anos.
Matias continua zanzando pela festa se sentindo estranho. Aqueles não são seus amigos. Ele não tem amigos. Ouviu falar dessa festa e sua mão havia encorajado o garoto de 15 ano a comparecer. Agora estava ali. Se sua mãe soubesse. Imagina se descobrisse que o perfeitinho do filho era gay e que nesse momento estava numa festa com todos os tipos de entorpecentes conhecidos pelo homem? Resolve aceitar as bebidas que estão lhe dando. Por mais que tente não consegue se sentir à vontade. Ali ou em qualquer outro lugar. Vai para a sacada.
Dona Marina está jogada no chão, ao lado do telefone, a mão dura ainda segurando a vassoura. Não mais ouve a festa.
Antônio, também no chão, depois das amarelinhas, verdinhas e roxinhas tem a boca cheia de espuma branca. Esquece completamente que é manco.
Matias, mais uma vez, não se enturmou. E também foi parar no chão. 17 andares abaixo.

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