O Pássaro Cantor

segunda-feira, 26 de abril de 2010
(Lamara Disconzi)





Estava imersa no seu mundo em espiral, que a prendia dentro dela mesma cada vez mais. Sem chance de escape, sem visão de saída, ela seguia pelo mesmo caminho de sempre, sem ao menos perceber. Era uma alma grandiosa perdida num mundo de coisas menores.
Como um copo, sentia-se metade cheia, metade vazia, sem saber como fazer para encher-se e, ao mesmo tempo, morrendo de medo que alguém drenasse o que lhe restava.
Possuía um bem muito precioso, algo que lhe assegurava toda a felicidade do mundo, desde que estivesse à salvo: Um pássaro em uma gaiola dourada. Um pássaro cantor. Seu canto lhe acalmava, lhe trazia paz. Era a única coisa que a levava ao lugar em que realmente se sentia em casa.
O pássaro era exuberante, exótico. Possuía o bico longo e as asas largas. As penas eram pretas, roxas e azuis e pareciam pintadas, tamanha a precisão. Seu porte era o de um pavão e ele só cantava em noites enluaradas, dormindo durante os dias dentro de sua gaiola dourada.
Mas passaram-se alguns dias e ele não mais cantava. Não havia nenhuma nuvem no céu estrelado e a lua estava cheia, mas mesmo assim a ave não ousava emitir som algum. A garota já estava ficando preocupada. Precisava ouvir o canto. Fazia parta da sua felicidade.
Depois de uma semana sem as canções do pássaro, ela teve uma ideia. Deixou-o um dia sem comer e explicou que só lhe daria a refeição se cantasse. A ave contrariada e faminta fez o que lhe era pedido. Novamente feliz, a garota deu ao pássaro de comer.
Logo, essa prática se tornou corriqueira. Se o pássaro não queria cantar, ficava sem comer. Sendo assim, cantava, mas nunca da maneira que o fazia antes. A garota percebeu isso e a alegria que costumava sentir ao ouvir as canções do pássaro não era mais a mesma. Passou a ter pena dele e se odiar por tratar a ave de maneira tão maldosa. Não queria mais ouvir o pássaro cantar. Não era justo dessa forma. Ele havia sido um presente, uma dádiva, uma prova de que a vida valia a pena, de que o amor existia para ela. Ela não tinha o direito de manipular, condicionar o amor. Sentia-se envergonhada.
Com pesar, abriu o portão da grande gaiola na qual mantinha o pássaro cantor e se afastou para que ele pudesse passar. Ele estranhou, a princípio, nunca tendo saído de sua gaiola antes, mas colocou a cabeça para fora com cautela. Devagar, foi andando até que todo o seu corpo estivesse para fora da prisão dourada. Olhou para os lados e quando viu que nada mais o detinha, bateu asas e voou.
A garota chorou por sete dias e sete noites sem cessar. Sentia como se tivessem lhe drenado o copo. Não sabia o que fazer sem o canto do pássaro. Resolveu procurar por um novo pássaro, mas nenhum cantava da mesma forma. Todos pareciam desafinados aos seus ouvidos. Logo desistiu e resolveu que viveria sem música para todo o sempre.
Chorou por mais sete dias e sete noites por não saber o que havia saído errado. Porque ele havia parado de cantar? Porque ela havia pensado apenas na felicidade dela? Porque ela o havia deixado ir?
Na sétima noite, quando suas lágrimas finalmente pareciam ter secado, a garota ouviu um canto familiar vindo do pátio. Poderia ser verdade? Correu para fora e se deparou com o Pássaro Cantor, suas majestosas penas coloridas enaltecidas pela luz do luar. Ele havia voltado para ela! E estava cantando de novo, de uma forma que ela nunca havia ouvido ele cantar antes. Muito mais bonita, muito mais sincera. Mesmo livre ele havia escolhido ficar.
Ela então percebeu que a liberdade dele refletia a sua. E ao finalmente sair da espiral que a prendia, sentiu-se feliz de verdade.

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