Esquizofrenia Coletiva

terça-feira, 7 de julho de 2009
(Lamara Disconzi)





- Eu vi de novo...
- A pessoa de casaco vermelho.
- É...
Inspirei profundamente e tentei me recompor. O que ela estava dizendo estava fora dos padrões. Eu tratava aquela mulher por uma simples depressão pós-divórcio. Ela vinha ao meu consultório, chorava, encontrava dificuldade em continuar com a sua vida depois de 12 anos de casada.
Normalmente deitava no divã e olhava para o teto e falava sobre a falta que o marido fazia. Sobre como era difícil dormir sozinha à noite. Um caso simples.
Agora ela sentava na poltrona em frente a minha, o corpo tenso, olhos vermelhos de chorar. Um choro diferente agora, mais desesperado. Ela demonstrava sintomas de algum tipo de esquizofrenia. Jurava estar sendo seguida por uma figura estranha de chapéu preto e sobretudo vermelho.Tudo aquilo não seria tão estranho se ela não fosse apenas uma entre nove de meus pacientes afirmando ter visto a tal pessoa.
Pacientes que não se conheciam. Pacientes que vinham ao meu consultório por motivos completamente diferentes. Pacientes que agora pareciam compartilhar do mesmo delírio coletivo.
Resolvi continuar com a consulta e deixar minhas especulações para mais tarde.
- E o que aconteceu então?
- Nada, na verdade. Quando olhei novamente ele havia desaparecido.
- E sem contar essas “aparições”, alguma coisa fora do normal tem ocorrido?
- Não... Doutor, eu sei que eu pareço maluca vendo pessoas fantasiadas que somem depois... mas eu tenho certeza do que eu vi. Eu vi essa pessoa. Ele está me seguindo!
Ela estava chorando de novo.
Tentei acalmá-la durante o resto da sessão e ao fim lhe dei uma receita para calmantes leves. Eu não tinha certeza do que estava acontecendo com ela e, portanto, não iria medicá-la sem maiores informações.
Quando ela se foi minha cabeça estava a ponto de explodir. Estava procurando por uma aspirina quando ouvi uma leve batida na minha porta.
- Pode entrar, Roberta.
Roberta era minha secretária. Era extremamente tímida e insegura e, às vezes, me lembrava um ratinho acuado. Mas era excelente no que fazia.
- Com licença doutor, seus dois últimos pacientes do dia ligaram e desmarcaram suas consultas.
- Ah, certo. Acho que vamos para casa mais cedo hoje, Roberta. Está liberada.
- Obrigada. Até amanhã, Doutor.
- Até.
Normalmente eu não ficaria feliz com a notícia de dois pacientes desmarcando seus horários tão em cima da hora. Mas eu já havia ouvido demais sobre o “ser do casaco vermelho” por um só dia, e ainda não sabia o que fazer em relação a isso.
Eu começava a pensar se a tal figura não existia de verdade. Mas então, porque apenas os meus pacientes eram capazes de vê-la? Os episódios já estavam ocorrendo havia umas três semanas e eu não ouvia ninguém fora do consultório falar nada sobre isso.
Aquilo parecia uma esquizofrenia coletiva que afetava apenas os meus pacientes. Mas até eu sabia que o que eu estava cogitando era loucura.
Fui para casa e passei a noite em claro pesquisando algum caso que fosse, de alguma forma, semelhante a esse. Não encontrei nada. No dia seguinte entrei em contato com alguns colegas especialistas na área. Mais um beco sem saída.
Conforme os dias foram passando, o número de pacientes sofrendo da “doença” foi aumentando. Eu já contara 12 pessoas que afirmavam ter encontrado o “ser do casaco vermelho”.
Também aumentava o número de cancelamentos de consultas. Nenhum voltava a ligar para remarcar. Dos12, cinco já não iam mais ao meu consultório. A Roberta ainda tentava entrar em contato com eles, mas no fim todos afirmavam que não voltariam a se consultar comigo.
Em menos de uma semana todos os 12 já haviam parado suas psicoterapias.
Dos pacientes que me restavam, nenhum havia visto ou ouvido falar de alguém usando um chapéu preto e um casaco vermelho.
Os dias passavam e eu tentava esquecer o curto e estranho caso da “esquizofrenia coletiva”, como eu resolvi chamar o distúrbio. Mas me incomodava o fato de nada ter se resolvido e de meus pacientes terem sumido tão subitamente quanto havia aparecido a “doença”. As coisas pareciam ter voltado ao normal, mas eu estava inquieto. Parecia que logo eu teria uma resposta e que ela não seria tão boa assim.
Cerca de uma semana depois minha resposta chegou na forma do jornal de segunda-feira.
Mesmo com tudo que havia acontecido, eu não havia perdido meu hábito de chegar cedo ao consultório, antes mesmo da Roberta e ler todo o jornal. Não precisei ler muito.
A matéria era de capa.
Ali estavam meus 12 pacientes. Os 12 que sofriam da tal “esquizofrenia coletiva”. 12 corpos encontrados em um barracão abandonado à beira de uma estrada fora da cidade.
De repente ouço leves batidinhas na porta do meu consultório. Roberta.
- Pode entrar.
E ela entrou, usando um chapéu preto e um casaco vermelho.


*Imagem: Lamara Disconzi

4 comentários:

R. disse...

puuutz ta mandando muuuuuuuuuuito bem nos textos!"

Nathi B disse...

perfeito ! *-*

Kamille Nassif disse...

bah Lami, amei! :D
beijos, mille

Joaquim Silva disse...

humm, gostei.

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