Acaso Marcado

quarta-feira, 1 de julho de 2009

(Lamara Disconzi)


Senti o frio esperado na barriga e me odiei por isso. 32 anos e frios na barriga? Não combinam. Quer vir me dizer que tem gente que sente isso até os oitenta e tantos? Não darei a mínima. Eu não sinto. Já passei da fase.

Mas era esperado e eu senti. Vamos ser sinceros então.

O frio estava ali, as mãos tremiam como gelatina enquanto eu tentava prender o maldito crachá na lapela do meu blazer (o que iria, certamente, deixar aqueles furinhos. Aquele era um terno de mais de mil pratas!), e a dificuldade em caminhar nos meus saltos agulha (10 centímetros). Eu nunca, jamais, havia tido dificuldade de andar em saltos. Passei a vida toda nas alturas, por assim dizer.

Obviamente, isso não vem ao ponto. A questão é que não estava agindo como eu mesma e estava assustada com aquilo.

Tudo bem que essa seria a primeira vez que eu veria Diego, meu Diego, em 10 anos. Sim, claro, ele não era mais o meu Diego. Mas já fora. Há 10 anos. Hoje em dia eu tinha outro “meu” e aposto que ele já havia tido, no mínimo, umas cinco “dele”. Com aqueles olhos verdes, como não teria?

Mas tudo isso? Irrelevante. Eu era uma mulher casada (sem filhos, claro, nunca tive tempo para essas coisas) com um homem de grande, não, enorme prestígio. Não que ele me desse frio algum na barriga, mas, como eu disse, é tudo muito supervalorizado.

Não, ele não havia chegado ainda. Muito estranho. Diego era pontual. Devia ser culpa daquela francesa que ele namorou depois de mim. Franceses estão sempre atrasados. Ou seriam os italianos?

Eu, muito preparada, cheguei ao hotel com uma hora de antecedência. Check-in feito, malas para o quarto, troca rápida de roupa (e de lingerie), retoques necessários no cabelo e na maquiagem. Tudo para nada. Nem sei quanto tempo fiquei ali, com aquele crachá pavoroso, um drink na mão, canapé insosso na outra (tentativa frustrada para fazê-las parar de tremer), sendo obrigada a ouvir baboseiras dos outros membros da convenção.

E então, finalmente, ele chegou. Ainda mais bonito que eu lembrava. Injustiça. Por que os homens ficam mais bonitos com a idade enquanto mulheres precisam de botox aos 25?

Mas Diego era Diego, e estava lindo. Os cabelos um pouco mais brancos (ele devia estar com 43, pelas minhas contas), algumas rugas aqui e ali, mas era ele.

Você deve estar imaginando que ele era um daqueles homens super simpático, que conhecia todo mundo, mas não. O que me atraiu nele de cara foi o fato de ele ser legal, mas extremamente fechado. E eu era uma daquelas pessoas que se encantava com o mistério das pessoas reservadas.

Era agora. O momento que eu havia esperado 10 anos. Eu e Diego, frente a frente.

Ou não.

Enquanto ele entrava no bar do hotel e eu estufava o peito e encolhia a barriga, lembranças (malditas lembranças) me atacaram como um enxame de abelhas (malditas abelhas) e percebi que não estava preparada para encará-lo.

Escondi-me atrás de uma planta. Grande plano.

No dia seguinte esperei no Lobby enquanto ele terminava o café da manhã para um “encontro casual”. Acovardei novamente. Esconderijo da vez: um jornal.

E assim passamos o resto do fim-de-semana, brincando de gato e rato, com a diferença que ele não sabia.

Na última noite esperei uma hora razoável para ir à beira da piscina fumar um cigarro (malditas regras contra fumar em quartos de hotel) e fiquei ali, me condenando, por ter sido tão covarde.

“Eliza?”, disse uma voz que eu conhecia muito bem.

E certamente teria caído dentro da piscina com o susto se mencionada voz não tivesse me segurado pela cintura (claro que não foi “a voz” que me segurou e sim a pessoa à qual ela pertencia, mas vocês entendem o que eu quis dizer).

“Diego!” Minha voz três oitavas acima do normal. Será que ele havia percebido que eu estava falando sozinha?

“Você estava falando sozinha?”

Merda!

“Claro que não!” Meu tom ainda três oitavas acima e rindo como uma hiena louca.

Resolvi me acalmar. Agir como uma hiena louca não ia me levar a lugar algum. Parei com a besteira e simplesmente perguntei, minhas cordas vocais finalmente cooperando.

“Como vão as coisas?”

“Muito bem... Nossa, fazem o quê? Oito, nove anos que não nos vemos?”

“Dez.”

“Dez... Uau.” Suspiro. “E com você? Tudo tranquilo?”

“Claro, claro.”

Sorri verdadeiramente pela primeira vez. Estava feliz que a conversa estava indo tão bem.

“E por que você passou o fim-de-semana inteiro fugindo de mim?”

Olhei para ele em choque. Ele com aquele sorrisinho (ah, o sorriso) de canto de boca.

E eu derreti por dentro. O que estava totalmente errado. Diego era quem deveria estar babando em cima de mim, percebendo que a garotinha com quem ele havia namorado havia crescido e se tornado uma mulher maravilhosa.

Mas naquele momento eu me sentia mais como uma garotinha que nunca. Eu tinha que retomar o controle da situação.

“Fugindo?” Voz ainda em controle. “Claro que não. É maravilhoso te ver de novo.”

Sorriso de comercial de pasta de dente, rápida balançada de cabelo e um olhar 43 na direção dele. Eu tinha que ser incrivelmente sedutora, mas não fácil demais. Eu poderia me fazer de difícil, não?

“Também é ótimo te ver de novo. Você está linda, a propósito...”

“Quer pegar uma garrafa de vinho?” Se fazer de difícil, assim como frios na barriga, também é supervalorizado.

Ok, admito, não resisti. Enquanto eu estava realizando movimentos calculados para agradá-lo, ele estava sendo incrivelmente adorável sem fazer esforço algum.

Ele sorriu e concordou. Pegou uma garrafa de Merlot e entramos no elevador. Eu já sabia que estávamos indo para o quarto dele. Mesmo 10 anos tendo se passado, ainda nos conhecíamos bem. Fala-se em vinho e sabemos que precisaremos de privacidade.

No quarto conversamos como se nem um dia havia se passado. Não falei do meu marido e não ouvi uma palavra sobre um possível alguém especial na vida dele. Éramos apenas nós dois e o Merlot.

Quando criei coragem o bastante para beijá-lo, não conseguia mais entender por que esperei 10 anos para fazê-lo de novo. Quando ele passou a mão pela minha barriga, ela congelou por inteiro. Quando agarrei o cabelo da sua nuca, pensei que nunca mais queria largar.

Durante o resto da noite me senti no céu. Mais tarde, enquanto o observava dormir, percebi que não me lembrava da última vez que havia estado tão feliz.

E então eu me senti miserável.

Diego não era meu. Eu não era dele. O fim-de-semana terminaria e ele seria, mais uma vez, apenas uma lembrança. Eu não poderia suportar isso. Eu não podia ficar ali.

Levantei-me devagar para não acordá-lo e saí do quarto, deixando a televisão ligada.

Enquanto retornava ao meu quarto, os sapatos na mão, lágrimas no rosto, pensei: “Quem sabe em outros 10 anos... Quem sabe então... Eu me atreva a ficar”.

1 comentários:

R. disse...

UAUUUU! tu escreve muuuuuuito beeeeeeeeeeeeem Lamy!

ADOREI! sempre que atualizar me avise!

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